Lançado como From the World of John Wick: Ballerina, o novo derivado da franquia de ação protagonizada por Keanu Reeves tenta algo ambicioso: inaugurar uma nova frente narrativa dentro de um universo cuja identidade já está consolidada em coreografias milimetricamente brutais, códigos de honra entre assassinos e uma estética noir-hipermoderna. A boa notícia? Ballerina entrega exatamente isso. A má? Talvez apenas isso.
Ambientado entre os eventos de John Wick: Capítulo 3 – Parabellum e Capítulo 4, o filme acompanha Eve Macarro (Ana de Armas), uma jovem treinada pela Ruska Roma, organização que mistura balé e assassinato como se fossem rituais complementares. Sua missão: vingar a morte do pai, assassinato que a lança em uma rede internacional de violência, alianças frágeis e confrontos estilizados. A trama, no entanto, se contenta em reproduzir o esqueleto de uma jornada de vingança genérica — e o faz com a pompa visual já esperada da marca.
Desde suas primeiras cenas, Ballerina estabelece um contraste entre forma e conteúdo. As sequências de ação, orquestradas com precisão quase balética (literal e metaforicamente), são sua maior virtude. Ana de Armas — em performance física admirável — mergulha em lutas viscerais, que abandonam o virtuosismo de John Wick em favor de um estilo mais improvisado, “sujo”, em que objetos banais se tornam armas improvisadas e o ambiente é parte ativa da coreografia.
Há ali uma tentativa de estilização própria, ancorada no conceito de “lutar como uma garota” — não como fraqueza, mas como uma estratégia: adaptável, inteligente, subversiva. Quando Eve transforma patins de gelo em nunchakus ou enfrenta adversários com um controle remoto de TV, o filme encontra seu diferencial. No entanto, essas ideias não se desdobram em um discurso mais profundo: permanecem como gestos visuais que flertam com o simbólico, mas não o desenvolvem.
O roteiro, assinado por Shay Hatten (veterano da franquia) com colaboração de Emerald Fennell (Promising Young Woman), tenta compensar a linearidade narrativa com doses de mitologia — o retorno de personagens como Winston (Ian McShane) e A Diretora (Anjelica Huston), a presença fantasmática de John Wick (Keanu Reeves em participação limitada), e a construção de uma cidade de assassinos liderada por um vilão aristocrático vivido por Gabriel Byrne.
No entanto, ao contrário do que se vê nos capítulos centrais de John Wick, essas camadas não se traduzem em substância dramática. O vilão, por exemplo, carece de motivação real; as conexões emocionais são estabelecidas de forma apressada e raramente exploradas; e o passado de Eve, que deveria ser o motor da narrativa, é revelado com parcimônia excessiva, prejudicando o envolvimento do espectador.
Mais do que isso: ao se restringir à linha temporal entre os dois longas principais, Ballerina adota a lógica do “inbetwequel” — um filme que existe entre dois eventos narrativos maiores — e, por isso mesmo, sofre com limitações estruturais. Não pode alterar o destino dos personagens principais, tampouco explorar consequências maiores dentro da franquia. O resultado é uma história que gira em torno de si mesma, eficaz na forma, contida no impacto.
Talvez o aspecto mais revelador de Ballerina esteja fora da tela. Inicialmente dirigido por Len Wiseman, o filme passou por refilmagens extensas, comandadas por Chad Stahelski — arquiteto visual da saga Wick — após um corte inicial considerado insatisfatório pela Lionsgate. Parte significativa do filme, segundo relatos, foi refeita sem a presença do diretor original.
É possível notar essas camadas sobrepostas na montagem final: há um certo descompasso entre a progressão narrativa e o ritmo das cenas de ação — como se fossem dois filmes tentando coexistir. E mesmo que Stahelski tenha “resgatado” o projeto no que diz respeito à ação, o tom geral permanece fragmentado, sugerindo um spin-off que ainda não encontrou sua verdadeira identidade.
Ana de Armas, por sua vez, eleva o material com sua presença magnética. Mesmo quando o roteiro falha em aprofundar as dores e dilemas de Eve, a atriz imprime fisicalidade, vulnerabilidade e intensidade suficientes para torná-la interessante. Sua personagem é introduzida como uma sobrevivente, alguém que treinou desde a infância para se defender do mundo — mas o filme raramente explora as implicações emocionais desse passado.
Há, no entanto, um vislumbre de potencial: a conexão interrompida com a irmã (vivida por Catalina Sandino Moreno), a tensão contida com os códigos da Ruska Roma, e o contraste entre disciplina artística e brutalidade do ofício. Com mais ambição dramática, esses elementos poderiam ter feito de Ballerina um filme mais singular. Por ora, funcionam apenas como promessas.
Ballerina entrega o espetáculo que se espera de um derivado do universo John Wick: ação estilizada, ambientações exuberantes, personagens enigmáticos e cenas de luta bem coreografadas. Mas entrega também o que já se teme desses projetos: enredo convencional, desenvolvimento raso e pouca ousadia.
Ainda assim, sua recepção pelo público foi entusiástica (94% de aprovação no Rotten Tomatoes), o que pode garantir sua continuidade e consolidar Ana de Armas como nova referência dentro da franquia. E talvez seja esse o mérito maior do filme: abrir portas para um novo ciclo, ainda que esse primeiro passo seja mais seguro do que inspirador.
Dirigido por Len Wiseman. Roteiro de Shay Hatten e Emerald Fennell. Com: Ana de Armas, Keanu Reeves, Ian McShane, Anjelica Huston, Lance Reddick, Gabriel Byrne, Norman Reedus, Catalina Sandino Moreno e David Castañeda.
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